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quarta-feira, 25 de setembro de 2013

CARRIS A EMPRESA MAIS ANTIGA DO BRASIL

                                                    Do tempo do império

Por – Antonio Ferro

A mais antiga empresa de transporte urbano do Brasil em atividade tem suas origens no serviço de bonde, mas foi no ônibus que concentrou suas operações 136 anos depois.

Os bondes foram o começo e o meio dos negócios da Cia. Carris Porto-Alegrense, mas sucumbiram ao transporte sobre pneus pela presença massiva dos veículos auto motores e da total falta de interesse de governantes em preservar e promover um eficiente modo de transporte coletivo nas áreas urbanas da capital gaúcha.
Porto Alegre ainda era uma pequena cidade, com seus 35 mil habitantes, da então província de São Pedro do Rio Grande do Sul quando em 1872, ano comemorativo de seu centenário e o regime imperial prevalecia como governo, um decreto de D. Pedro II criou a Companhia Carris de Ferro Porto-Alegrense, o que seria 136 anos depois, a mais antiga empresa de transporte urbanoem nosso país. A capital gaúcha começara a se expandir e o transporte coletivo já era um atividade necessária na vida da cidade, que anos antes tornara-se um ponto estratégico e um posto militar para dar apoio as tropas do exército imperial durante os conflitos da Revolução Farroupilha e a Guerra do Paraguai.
A primeira experiência com o transporte urbano foi em 1865, com o uso de bondes de madeira tracionados por animais, denominados Maxambomba. Essa operação foi considerada a segunda do Brasil com o veículo, precedida apenas pelo Rio de Janeiro. Com a chegada de muitos imigrantes e o êxodo rural para as áreas de Porto Alegre, a vida urbana se intensifica com o desenvolvimento industrial e do comércio, o que causou um aumento considerável dos deslocamentos de seus habitantes. Mas somente em janeiro de 1873 inicia-se a operação de fato da Cia. Carris, criada por Manoel Miranda de Castro e seus acionistas, com a importação de um bonde puxado por mulas da Stephenson de Nova Iorque, ligando a Praça Argentina até o Arraial do Menino Deus. Nesse mesmo ano a Carris é vendida para outro grupo de empresários da cidade, comandado por Eufrásio Lopes Araújo Filho, que amplia sua atuação pela cidade e implanta nova infra-estrutura de apoio ao serviço.

Fotos – Memória Carris

A cidade vê seu crescimento em torno dos carris (sulcos ou trilhos), fazendo com que Eufrásio L. Filho importasse novos bondes americanos que eram mais leves e modernos. Após algum tempo, a Carris fabricou 17 veículos, de tamanhos variados para o transporte de 25 a 40 passageiros, apelidados de Muller (nome do engenheiro que os projetou). Com o negócio do transporte se prosperando, 20 anos depois surge a Carris Urbanos de Porto Alegre, com a finalidade de operar nos bairros Partenon, Independência e Floresta, locais onde ainda não havia serviço de transporte. Seus bondes eram pequenos e logo ganharam o apelido de “caixa de fósforo”. Antes da virada do século, itens essenciais iriam melhorar a qualidade de vida na cidade, como a instalação de rede de esgoto, água encanada e de eletricidade pública.   
Em 1906 – em um novo século em andamento - as duas companhias de bondes se fundem, formando a Companhia Força e Luz Porto-Alegrense, ficando ainda responsável pelo fornecimento de energia em toda a capital. E como a eletricidade já era um bem comum, nada mais razoável que substituir os bondes tracionados por mulas por veículos elétricos, maiores e fechados, produzidos na Inglaterra. Com a revolução tecnológica proporcionada pela energia elétrica aos moradores da cidade, a era da modernidade estava instalada naquela região. Os bondes elétricos foram os únicos veículos destinados ao transporte coletivo da cidade até final dos anos 20, quando os primeiros auto ônibus começaram a aparecer. Assim como outros serviços semelhantes encontrados nas diversas cidades brasileiras, os ônibus motorizados eram adquiridos por particulares que operavam sem nenhuma instrução ou ordenação de itinerários e horários. Em 1928 o grupo norte americano Eletric, Bond e Share assume por completo operações da cia. e o ônibus começa a fazer parte dos negócios da empresa. O primeiro veículo, da marca Yellow Coach, foi importado dos EUA em 1929. A regulamentação dos serviços de ônibus imporia uma série de regras para que houvesse organização no transporte com esse tipo de veículo.
 
Nas décadas de 30 e 40, ônibus e bondes concorrem diretamente pelos passageiros. Com o crescimento espacial da cidade, onde os bairros eram criados cada vez mais distantes do centro e a não implantação de novas linhas de bondes e de sua infra-estrutura, os primeiros se sobressaem devido a sua flexibilidade em se adaptar às transformações urbanísticas. Isso não quis dizer que os bondes deixaram de ter sua importância no contexto histórico da cidade, sofrendo uma sobrecarga no período da Segunda Guerra Mundial, quando a falta de combustível obrigou a paralisação dos serviços de ônibus pela cidade. Já nos anos de 1950 e 1960, a situação dos bondes passa por total indefinição, apesar de ser um período áureo para eles. O sucateamento da frota aumenta e as dívidas contraídas pela cia. durante a administração norte-americana fazem com que a empresa proponha sua encampação pela Prefeitura Municipal. Essa ação é concretizada em 1953 com a lei número 1069. As empresas de ônibus também foram uma feroz concorrente ao modal elétrico e toda a sociedade passou a ver os bondes como empecilhos urbanos, lentos e barulhentos, além de seus carris não permitir uma pavimentação adequada das ruas.
Werther Halarewicz

Com os ônibus nas ruas, uma experiência com trólebus foi realizada pela Carris ainda no final da década de 50. Das 10 unidades compradas pela empresas, apenas 5 operaram entre os bairros Gasômetro e Menino Deus até 1964. Eram modelos produzidos pelo consórcio paulista Caio/Massari. Mais uma vez, a incongruência de opiniões não permitiu um ambiente urbano ecologicamente correto, substituindo-o por uma modernidade falsa transmitida pelo status do automóvel particular, que ganhava impulso naquela época com o inicio do ciclo das indústrias automobilísticas. A “evolução sobre rodas” fez com que novas e amplas avenidas fossem abertas e Porto Alegre se transformasse em uma capital progressista do ponto de vista da vanguarda econômica. O sistema de bonde teria fôlego ainda por mais alguns anos, até que em 1970 seu fim foi decretado, ficando apenas os ônibus os veículos de transportes da Cia. Carris Porto-Alegrense.
 
Nos anos seguintes, já consolidada sua operação rodoviária, a Carris apresenta uma inovação no sistema de transporte da capital em 1976, com a criação das linhas transversais, conhecidas como T. Esses novos trajetos foram criados para ligar os bairros sem a necessidade de se passar pelo centro da cidade. A alternativa agradou em muito aos usuários da empresa, pois proporcionou rapidez em suas viagens. Para essa nova etapa, ela adquiriu várias unidades do monobloco O-362, produzido pela Mercedes Benz.
 
E com os ônibus, a evolução não foi diferente. Desde os primeiros veículos importados, ainda na década de 20, a empresa porto-alegrense sempre utilizou chassis e carroçarias acompanhando o desenvolvimento do mercado, procurando manter uma frota moderna e capaz de satisfazer todas as necessidades em sua operação. Hoje ela possui 335 ônibus, sendo 142 são dotados de ar condicionado, 244 com câmbio automático e 127 equipados com piso baixo ou elevadores, proporcionando acessibilidade às pessoas com mobilidade reduzida. São transportadas diariamente 270 mil pessoas, percorrendo um total de 73 mil quilômetros. Seu quadro de colaboradores atinge a marca de 1.600 pessoas trabalhando na companhia, entre motoristas, cobradores, mecânicos e outros profissionais. Suas recentes aquisições foram veículos configurados para a operação no centro de Porto Alegre, com 12 novas unidades com piso baixo, o ar condicionado, a caixa de transmissão automática, o layout externo, que traz imagens marcantes da cidade, como o Mercado Público, o Laçador, os parques Farroupilha e Moinhos de Vento e as torcidas de Grêmio e Inter, telefone público, tv a bordo, comprimento de 10,15 m, que o torna muito ágil nas operações centrais, além de unidades articuladas para o transporte em linhas troncais.
A integração entre passado e presente pode ser comprovada com o SAAC - Serviço de Atendimento ao Cliente Carris, instalado em um bonde modelo “Brill”, completamente restaurado e equipado com computadores, em frente a sede da empresa, e através do museu itinerante Memória Carris, no qual um ônibus monobloco Mercedes Benz O-364 foi transformado em um museu sobre rodas que leva a escolas da capital gaúcha um retrato histórico sobre a mais antiga empresa de transporte urbano do país. São fotos e documentos que contam a evolução da empresa.
Para a Carris considerar os passageiros como verdadeiros clientes é uma preocupação constante, sendo criado o Conselho de Clientes, órgão consultivo formado por representantes da comunidade e instituições universitárias que se reúnem mensalmente para discutirem melhorias no serviço. Em sua área administrativa e operacional valorizar o ser humano, com desenvolvimento pessoal e profissional aos seus colaboradores, tem sido outra característica em sua política de manter um excelente padrão que a levou ser a melhor empresa de transporte coletivo do Brasil, nos anos de 1999 e 2001, prêmio concedido pela Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP).

“O cobrador passava pelo corredor do bonde, recolhendo o pagamento. A cada passagem paga, acionava o marcador que depois o fiscal checava. Você poderia, se quisesse, entrar no bonde e se meter no meio do corredor e, quando o cobrador passasse, dizer “Já paguei”. Ele só contava com a própria memória, não tinha como provar que você não pagara. Mas imagino que isso acontecia pouco. Os bondes também ensinavam honestidade e confiança no próximo. E não poluíam o ar!”
Luiz Fernando Veríssimo.

Nota do editor – A história da Cia. Carris Porto-Alegrense é muito maior que este relato, mas esta foi a melhor maneira de poder homenagear a mais antiga empresa de transporte de passageiros em nosso Brasil, que completa neste 2008 136 anos de criação e 135 anos de operação. Acredito que preservar a história do setor é uma excelente forma de não esquecermos que para se chegar ao presente e ao futuro, o passado necessita ser lembrado.


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